Buenas, gurizada. Depois de um longo período sem entrevistas aqui no blog, conversei com Cristiano da Silva, um dos Environment Artists do game brasileiro Tormenta, que está sendo produzido em Novo Hamburgo/RS pela galera do laboratório de games da FEEVALE, e que sai até o final do ano para PC.
Se você nunca ouviu este termo e ainda não foi até o Google descobrir, Environment Artist é o profissional responsável por gerar a ambientação do game, desenvolvendo todo o universo que irá dar vida ao projeto. Para isto, ele irá desenvolver toda a arquitetura, a cenografia, os objetos e as paisagens naturais do cenário, sempre condizentes com o tema, a época e a cultura retratada no game, seja ela mais realista ou fantasiosa.
Atualmente trabalhando como freelancer, Cristiano fala um pouco sobre seu trabalho, o início de sua recente carreira e dá dicas para quem está pensando em entrar na área. Então, sem mais enrolação, vamos às perguntas:
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1 - Se apresente meu garoto: quem é Cristiano da Silva e com o que você trabalha?
Primeiramente um amante de jogos, de todo tipo de
jogo. Sério, jogo e curto de tudo!
Sou de Novo Hamburgo/RS, graduado no curso de Jogos Digitais e com muito
orgulho sou um profissional da indústria de games.
2 - E desde quando você atua na produção de games?
Trabalho com games desde 2010, desde quando ainda cursava a Universidade.
3 - Já tem um tempinho de estrada, levando em conta que este mercado
é relativamente recente no país. Neste tempo, com o que basicamente você
trabalhou?
Sempre trabalhei com modelagem 3D, no início ainda
meio acanhado, sem experiência, tinha aquele pé atrás em fazer outras
coisas. Mas com o tempo, a empresa na qual eu trabalhava demandava
trabalhos diferentes, e aí tive os primeiros contatos com animação e
renderização, voltada a área publicitária.
Trabalhos ainda maiores surgiram na empresa e a
equipe cresceu, de 3 funcionários passaram a 9, e como sempre fui um cara "atucanado" com organização (sim, um
artista organizado), além de produção, também fui incumbido de
gerenciar a equipe.
Organizava os processos de produção, as entregas, contatava clientes. Os sócios da empresa por terem outra atividade,
não tinham tempo para estar sempre presentes, então eu acabei me
tornando quase que um "Severino".
Ilustração e texturas por Lou Vieira
4 - hauhauhauha, está bem! E
no meio de todas estas responsabilidades, você acabou desenvolvendo uma
grande habilidade em desenvolver elementos de cenários. Como foi isto?
Pois é cara, isso começou como uma tarefa comum de
trabalho do tipo:
- Cristiano, precisamos de um cenário de cidade para um
jogo de corrida, o que tu me diz?
- Feito!
No meio do processo eu percebi que estava curtindo muito toda a
pesquisa em cima da proposta, a criação em geral, a atenção aos
detalhes, as ideias malucas que vinham surgindo, mesmo sabendo que daria
um trabalho do cão fazer tudo que vinha na cabeça, mas não me importava.
O trabalho correu super-bem no fim das contas:
- Aí,
meu primeiro cenário! - guri feliz da vida. Hoje eu olho para ele e vejo
que tinha ficado ruim pra caramba, mas era o primeiro, ainda está
valendo.
Mas desde lá até hoje, o trabalho evoluiu bastante, o interesse por
ambientes aumentou na mesma proporção, tanto que muitas vezes eu me acho
um grande chato, já que eu jogo para relaxar, mas fico olhando todo e
qualquer detalhe dos cenários e ambientes.
Sempre busco referências em tudo, seja de iluminação,
silhuetas, complexidade de meshes, técnicas de texturização, shaders e
por aí vai. A criação de cenários é uma área na produção de jogos que engloba uma gama
de conhecimentos e pesquisa muito grande e pra mim é prazeroso isso
tudo.
5 - E agora você é um dos responsáveis pela produção de
cenários para o game baseado no RPG brasileiro Tormenta. Como tem sido trabalhar em um produto que tem tantos fãs
esperando ansiosamente para pôr as mãos no game e sair destroçando monstros?
Está sendo muito bom ter toda essa expectativa em
torno do projeto, uma experiência bem diferente do que eu estava
acostumado.
Confesso que eu não conhecia o Tormenta antes de iniciar este trabalho
(vaias de todos!... mas me desculpem, era um outro momento da vida).
Mas a falta de conhecimento das histórias não impactaram tanto na
produção dos ambientes, já que temos todo o auxílio da documentação
bruta dos livros e claro a consultoria direta com o pessoal da Jambô Editora, que
faz toda a avaliação de arte antes de entrar pra valer no jogo. Todos
os cenários foram criados pensando na maior imersão possível dos
fãs de Tormenta, nosso foco é criar uma ambientação que dê vida à imaginação que rolava solta na literatura, claro que com um toque
pessoal de cada envolvido no projeto.
Texturas por Edh Müller
6 - E já tem alguma demo para testar disponível?
Semanalmente a equipe tem uma versão interna pra
testes e procura de bugs. Estamos trabalhando massivamente na criação de
uma versão mais estável para disponibilizar ao público, mas ainda
estamos em um ponto de solução de vários pequenos detalhes.
Até porque se trata de um game de complexidade alta, não apenas um
beat'n up comum, há também a aplicação de várias características de RPG
(óbvio, é Tormenta).
7 - Como surgiu o seu interesse por games e o seu interesse por arte para games?
O interesse por games foi natural, provavelmente da
mesma forma que pra todos gamers da minha idade, ATARI!!!
Meus tios, que são um pouco mais velhos que eu sempre tiveram videogames e
o Atari 2600 foi meu primeiro contato com esse
mundo.
De lá pra cá nunca mais deixei de lado o vício: Atari, NES, SNES,
Megadrive, Master System, PS1, PS2, etc...putz, que nostalgia bateu
agora!
Não posso dizer que sempre curti a arte de jogos, até porque
inicialmente, era daquele jeito né, dependia mais da tua própria criatividade em imaginar
o que eram aqueles quadrados na tela, por causa da falta de recurso. Mas
lembro do primeiro jogo que me despertou de verdade o interesse por arte
nos jogos
e que fez eu me perder no tempo olhando todos os detalhes de cada
pedacinho da tela: Resident Evil.
Até eu ver Resident Evil pela primeira vez, era só diversão puramente
por gameplay, mas depois dele, queria ver todas as cutscenes, ver
cenários, efeitos etc. E de lá pra cá jogar nunca mais foi a mesma coisa.
8 - E como você decidiu que iria trabalhar com arte para games?
Na verdade foi tarde até, foi durante meu período na
universidade. Comecei o curso de jogos sem saber absolutamente nada de
3D, arranhava um pouco vetorização e alguma coisa no Photoshop. Mas
minhas melhores noções eram em programação, tenho uma aptidão para lógica
e cálculo.
E até metade do curso eu fazia um pouco de cada, mas ao chegar na
disciplina de 3D avançado, tive um professor, o Marcell Mota, que mudou alguns conceitos
prévios meus e me mostrou o 3D muito mais descomplicado e mostrava o quanto era foda trabalhar com aquilo. E a
partir daquele momento me dediquei só ao estudo de arte, mais
especificamente 3D.
Texturas por Lou Vieira
9 - E como é o seu processo de trabalho?
O primeiro passo ao receber uma tarefa é com certeza a
leitura e estudo do briefing ou documentação. Analiso atenciosamente
toda a documentação para entender todas as diretrizes a seguir, procuro
tirar todas as dúvidas que vão surgindo para ter um material bem concreto
e evitar qualquer tipo de "re-trabalho". Depois, o negócio é recorrer aos meus companheiros inseparáveis, meus
fones de ouvido para escutar uma boa música.
A música depende do momento e às vezes até do tipo de projeto. Geralmente opto por algo mais pesado, um
Megadeth, Pantera, Metallica...mas outras vezes toco até um gauchesco de
raiz, daqueles que eu sei que tu curtes também.
Aí, com tudo isso preparado, parto para a pesquisa de referências, buscando a
maior quantidade possível e dos mais variados tipos, como em
animações, outros games, filmes, fatos históricos, fotografias de
locais, etc. O foco depende, é claro, do projeto em questão.
Como é de praxe no meu processo, deixo tudo
catalogado nas minhas pastas, nada fica perdido, sério, tento manter
tudo organizado e principalmente o meu desktop limpo, por incrível que
pareça.
Aí, definidas as referências que serão usadas, inicio a criação e
modelagem dos objetos. Se o projeto for algo mais estilizado, seguindo
um rumo mais cartoon por exemplo, inicialmente mantenho meus modelos em
proporções reais, salvando uma cópia e depois sim, passo para a
fase de estilização.
Acho que já deu pra perceber que sou bastante
metódico, tento sempre seguir minha linha de processos à risca, acho que
isso facilita o meu trabalho e também o dos companheiros de equipe.
Sempre procuro ir fazendo testes, seja em game ou alguma ilustração
publicitária. Testes com diferentes iluminações, testes com diferentes
cores, onde a equipe pode ir visualizando o produto final em diferentes
perspectivas. A opinião externa tem bastante influência no meu trabalho,
não sou (mais) do tipo de artista que não costuma aceitar opiniões, sou
bastante receptivo nesse
sentido.
Mesmo após a finalização da minha etapa de produção, mantenho contato
com a equipe e acompanho todo o processo restante, para ter a certeza de
que tudo esteja como planejado.
Texturas por Edh Müller
10 - O que você costuma estudar para melhorar o seu trabalho?
Atualmente o Pinterest e CGHub tem sido meus maiores
aliados, buscar referências através deles tem sido um compromisso
diário. Encontro referências de CG, ilustração,
fotografia, arquitetura, games, cinema, animação, modelos em miniatura,
basicamente tem de tudo!
Um estudo bem bacana é selecionar ilustrações e fotografias de ambientes
que encontro nestes sites para criar versões em 3D deles. Uma prática
que vem trazendo resultados bastante positivos pra mim,
principalmente em questões técnicas, pois artisticamente tenho a referência pronta, não preciso me preocupar com a
criação. Em contrapartida tenho os desafios de procurar alternativas
técnicas
para alcançar os mesmos resultados das imagens finalizadas e isso
demanda um bom trabalho de pesquisa.
Outra prática comum de estudo é a observação com "olhos de águia" nos
games enquanto jogo, procuro observar técnicas e soluções usadas tanto
em modelagem, iluminação e efeitos
e tentar buscar soluções semelhantes na game engine em que trabalho, no caso a Unity.
11 - Geralmente eu peço para a galera citar 5 artistas que
são suas principais referências, mas no teu caso será diferente: 5
games com artes de cenário que devem ser vistos e o porque:
- Bioshock: ambiência do período, nível de detalhamento, iluminação.
- Trine: pô, o jogo é lindo, usa e abusa das cores sem pecar em exagero.
- Red Dead Redemption: cenários muito bem resolvidos em todos os sentidos, principalmente localização e época propostos.
- Alice Madness Returns: os cenários transmitem toda a atmosfera da proposta do jogo, de ser bonito e sombrio ao mesmo tempo.
A iluminação e texturização são destaques com certeza.
- World of Warcraft: por toda a complexidade técnica
de manter o jogo leve, com uma quantidade absurda de assets,
com a infinidade de lugares únicos que é possível visitar. E mesmo sem
ter recursos de normal map e usando modelos de baixíssima poligonagem,
mantém o jogo muito bonito e com uma estética impecável.
Texturas por Edh Müller
12 - E para fechar, você que foi uma pessoa que não descobriu este gosto tão cedo e batalhou até conseguir sua colocação no mercado de trabalho, que você diria paras pessoas que querem entrar na área de arte digital?
Meu recado para o pessoal que curte e quer seguir na
área de arte digital é algo bem particular da minha parte, mas que
muitos podem se identificar com isso.
Como já citei anteriormente, entrar nesse mercado, pra mim aconteceu um
pouco mais tarde do que o normal, quando estava na faculdade, a qual
também iniciei tarde, devido a alguns percalços no meu caminho. Estou
atualmente com 29 anos (putz, nessas horas que o cara percebe que o
tempo passou rápido), entrei na faculdade com 24 anos, sem ter experiência nenhuma com arte, muito
menos com games, nunca tinha feito nada relacionado, até então, apenas
curtia muito jogar, e profissionalmente trabalhava com assistência
técnica em informática.
Me dediquei e me dedico muito em tudo que eu faço. Foi justamente isso
que dois de meus professores, Marsal e Cristiano Max viram em mim, me
convidaram a trabalhar na recém formada empresa de games que eles haviam
fundado, a Ilinx Entretenimento. Foi essa a primeira oportunidade no
mercado de games e é a mais importante, é a primeira de muitas que
surgem.
Sempre é possível aprender uma coisa nova e aprender bem, se tornar um
bom profissional, mas nunca deixar de ser um estudante, porque é essa
busca de conhecimento que o torna um profissional ainda melhor. Não se
deve relaxar e se acomodar, ainda mais nesse nosso mercado, porque a
fila anda, e anda rápido e o importante é estar nela, mesmo que tu tenha
entrado na fila um pouco tarde, garanta o seu lugar.
Texturas por Edh Müller
É isso, gurizada. Espero que tenham gostado da entrevista. O mercado de games necessita sempre de profissionais talentosos, e um bom environment artist não é algo tão fácil de encontrar.. E para quem quiser acompanhar mais do trabalho do Cristiano ou entrar em contato com ele, seguem os links abaixo. Hasta luego, indiada!!
Portfolio:
http://chrisilva.daportfolio.com/
Contato:
chrisilva3d@gmail.com